domingo, 3 de julho de 2011

Perfume de mulher


Peracio era uma raposa quase indefesa, deficiente visual transformava sua bengala em arma furiosa no delicado toque da gilete. O treco ficava áspero, onde pegava rancava pedaço, no botequim de seu Zeca tinha tamanha utilidade contra os gaiatos que se divertiam fazendo graça com aquele que carinhosamente chamavam de ceguinho. Era outra época, onde o negro era crioulo e o branco azedo, se passava um afeminado na rua era motivo de alegria, amor dispensado e recíproco enquanto no ar surgiam palavras de veado a corno e no fim das contas sobravam pedras pelos ares e sirene de polícia. No meio disso Peracio tomava sua cachacinha e bajulava uma conquista, feia de doer, mas exalava um cheiro forte de almíscar barato que seduzia o galante de olfato apurado. Para vagabundagem restava gastar piada e tentar fugir das bengaladas, mas nesse dia em especial o romântico resolveu ignorar o público e com a tenacidade de um lince tomou no ar a mão da pretendida. A gargalhada foi geral, mas nem aí, tocou com seus grossos lábios a mão da ébria senhora. O estranho foi, que de tão delicada parecia mão de criança, tanto pelo tamanho como pelo odor que não era tão agradável quanto o perfume que chamou atenção antes.
-meu amorzinho, por acaso, você saiu do banheiro? Perguntou encabulado com o contato.
-não, é que acabei de coçar uma ferida que estou na perna! Respondeu Sebinho, um pivete de uns nove anos que vivia rondando o bar em busca de trocados.
A birosca veio abaixo e sobrou bengalada para todo lado, a patrulhinha que rondava o bairro em busca de maconheiro fez a festa e levou cego, maluco, piranha e até criança, todo mundo parou no distrito que teve seu dia de manicômio. Nesse ínterim a bengala foi parar debaixo da geladeira do bar, e como felizmente não se tem crime sem arma nem defunto, o povo foi liberado de madrugada e a estrela da confusão retornou para as mãos de Peracio que fichado e feliz voltou para casa tateando a calçada esburacada.