quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Passeio na praia


Viajo longe namorando o mar. Paquero as colegiais matando aula no calçadão, malicia, beleza suave. Percebo que alegria tem muitos donos, angustia um só motivo. Perto do mar não preciso ser nada, leve como o vento, presente e invisível como a maresia. O cheiro de sal, o agressivo toque da arrebentação, o óbito do sol no horizonte. Horas parecem minutos, onde não tenho cor e nem juízo. Fico um pouco ausente da realidade, do sofrimento na hora de sair da cama, da busca de um propósito, temendo os olhares, as questões. Ressaca da alma, sem forma e sem jeito apenas desespero.
Aguardando iluminar a orla, um sorriso me surpreende, traz uma alegria sem dor, uma certeza na vontade. Impossível não me envolver, era o momento, o desafio.
-como se chama? Perguntou a dona de olhos azuis que traziam pra noite o encanto do mar. Nesse momento poderia ter qualquer nome, ser qualquer coisa, tudo ou nada.
-meu nome é Vera! Respondi com a sinceridade da certidão de nascimento.
Sem uma palavra ele pegou minha mão, me senti pronta, protegida da matéria ao espírito, acolhida pela certeza. Deixei o medo no caminho e fomos de encontro às diferenças.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um dia de morto


Barulho seco de freio, som estrondoso de ferro com ferro. Nas ruas mal sinalizadas do bairro uma porradinha de carro fazia parte do cotidiano. Nesse caso um caminhão se beijou com um ônibus vazio que seguia para garagem. Para decepção do povo, não houve feridos, afinal de contas desastre é o teatro do pobre. Observando a frustração Vicente teve uma idéia mórbida, roubou um lençol do varal, espalhou ketchup pelo corpo, deitou no asfalto improvisando o defunto do acidente. Os amigos cúmplices achavam que o gaiato seria rapidamente desmascarado, mas o manequim de presunto estava tão convicto da sacanagem que permaneceu imóvel colocando em dúvida até os comparsas que encanaram que ele parara mesmo de respirar. Os transeuntes aglomeravam e um ou outro levantava o lençol orquestrando o coro de suspiros.
-tão jovem! Lamentou uma senhora gordinha, deixando escapar uma lagrima.
Já escurecia e nem a assistência nem a polícia chegavam. Só uma romaria de curiosos. A brincadeira ia tomando um tom caótico, um pastor inventou um sermão, uma mãe tapou o rosto da criança e um bêbado soltou um palavrão para em seguida ganhar uma tapa de um mulato forte, iniciando a pancadaria que faltava ao espetáculo. Vicente nem se movia, era tão mentiroso que perigava ele mesmo estar se acreditando morto. O acaso veio de jornal de baixo do braço, tímido seu Nestor adentrou o tumulto e perceber que o cadáver era o próprio filho. Era um homem simples, mas de bobo não tinha nada, percebendo que se tratava apenas de mais uma travessura de Vicente, soltou o sonoro assovio característico de quando queria colocar seu moleque na linha.
-fiuuuuuuuuuuu!!!!!! Foi o suficiente para o falecido pular e sair voando entre a multidão no caminho de casa. Um Deus nos acuda, gente correndo para todo lado, criança chorando e idoso passando mal, a polícia chegou dando tiro e a assistência acudindo. O dono do milagre foi pra casa jantar e colocar de castigo o maior artista que a cidade já conheceu.