segunda-feira, 24 de maio de 2010

Lei da selva.




Mosquito vivia atormentado, todo mundo gastava em cima por não ter ainda seu próprio rebento. Em dezessete anos de vida testemunhou uma leva de remelentos chorando fome pela favela e nenhum era dele. Queria seu filhote também, crescer no conceito da rapaziada jogando ronda com seu pivete no colo. Pena que Danuza tão franzina não tinha cara nem corpo de mãe, quatorze anos que pareciam ser dez. Como seria amamentar uma criança com aqueles seios pequeninos?
As más línguas atentavam dizendo que ela estava no ponto. Se ele não fizesse o serviço ia perder pra outro. Tinha medo da língua do povo, reagia cabisbaixo, pensando em Danuza passando roupa no apartamento chic da Atlântida, o filho surfista da patroa roçando quando ia pegar a prancha, paranóico imaginou o filhote nascendo branquinho, as gargalhadas de dentes podres, dedos apontando seus chifre pela ladeira.
Resolveu não cair nessa, faria logo uma escadinha para mostrar ser sangue bom.
Danuza não gostou do namorado tarado, azucrinando seu juízo para cabular aula e ficar de indecência no sofá.
-sai de cima, tenho prova!
Mosquito não se inibia.
-porra nenhuma!
Não entendia que tanto Danuza ia pra escola, já conseguira o uniforme do estado, já andava no ônibus sem pagar, pra que perder tempo.
-sai pra lá desgraçado!
O estardalhaço chamou a atenção da fofoqueira que espiou na janela e fez Mosquito sair sem jeito do barraco.
Frustrado foi fumar maconha com os outros vadios no campinho. Entre uma apertada e outra percebeu Lucinha cheia de maldade tomando banho de caixa dagua no terraço próximo. Molhada, os seios avantajados transparentes no vestido molhado, atraia olhares do grupo, mas esnobava dando atenção apenas para o namorado da prima. O calor forte foi à deixa para Mosquito se refrescar com a parenta.
Dois meses depois Mosquito ia ser pai. Alegre, viril tomou um porre de vinho ordinário e ressaqueado lembrou que tinha que desenrolar esse pepino com a namorada. Pensava nos bibelôs da estante atirados na cabeça, quando Danuza reagiu friamente ao comunicado.
-ta tudo terminado!
Disse indiferente, enquanto terminava o namoro de três anos. Sem lagrimas pegou as apostilas e foi pra aula. No trajeto comprou uma garrafa de agua gelada e respirou aliviada antes de subir o coletivo. Tomou o anticoncepcional e refletiu “quando acabar os estudos arrumo um macho de verdade”.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Os VIPs


Ataíde foi contemplado com um convite para assistir de camarote um tributo a Renato Russo. Roberto, influente amigo que lhe arrumou a credencial, pediu apenas para pegar leve na cana, pois a birita era zero oitocentos. Chegando na fundição teve a dimensão do quanto à parada era chic, assistiu privilegiado, nomes do rock nacional cantar sucessos da legião. Com lagrimas nos olhos e elevada quantidade etílica no sangue tentou dar um abraço em Dinho que depois da participação no palco adentrou o reservado, o musico deu um olé no desconhecido carinhoso, frustrado Ataíde seguiu vendo o resto do show. Fim das apresentações o lugar restrito entupiu de gente famosa. Atores, músicos e formadores de opinião se acotovelavam no espaço que começou a ficar pequeno. Ataíde resolveu não assediar mais ninguém, mas alcoolizado e movido por certa antipatia pelo futebol paulista resolveu fazer graça com um indivíduo vestido com uma camisa do são Paulo.
-tira essa porra, você ta no rio!
O cidadão não levou na esportiva a abordagem e caiu dentro de Ataíde que não espera nervosa reação. Estancou uma porrada feia na área VIP. A surpresa veio por conta dos músicos do capital que vieram em defesa do roadie são Paulino. Do meio da multidão surgiu Dinho (dessa vez como adversário), deu um golpe desajeitado e recebeu um boxe de Roberto que sem sucesso tentava tirar Ataíde da confusão. A segurança chegou favorecendo o lado famoso da história e com truculência deram um ataque soviético em Ataíde que foi parar atrás das cortinas, sua salvação, pois conseguiu se camuflar da briga.
Fora da festa, camisa rasgada, gemendo de dor no ombro, Ataíde contabilizava os prejuízos da aventura, Roberto achava graça do soco que dera no rosto famoso e ambos concordavam com um fato culminante, não é todo dia que futebol e musica dão uma boa mistura.

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terça-feira, 11 de maio de 2010

Bola de cristal


Acho que quando a natureza resolve te zoar não tem jeito. Os primeiros foram assim sem sentir, fiozinhos rebeldes abandonando a casa pelo travesseiro, outros tímidos insistiam em permanecer no sabonete, aí veio à debandada. Cada dia mais desertores fugindo pelo ralo acolhedor. Daí foi testa crescendo. O barbeiro é sempre o primeiro a dar o bizu, e o consumo de produtos diversos atrás do milagre, até simpatia ta valendo. Afirmam que é hereditário, e eu tive o azar de ter homem careca cercado para os dois lados da minha árvore genealógica. Veio o papo do remédio que evitava a queda, verdade ou não o certo é que essa pílula deixa a cabeça de baixo podemos dizer assim preguiçosa. O homem vive seu momento crítico de calvície dos vinte aos trinta, é a pior época para colocar em xeque sua virilidade. O grande lance é aderir ao desmatamento, tem seu charme, ta cafona cabelão, virou coisa do passado. Não sei se é dos carecas de que elas gostam mais, mas resolvi deixar partir, me encarrego pessoalmente de chacinar os heróis da resistência com máquina dois. Tem gente no estágio da gilete, cabeça lisinha, sem spray de tinta preta, peruca ou aplique. O retrato velho guarda o ninho de passarinho de outrora, e quando você vê se acha com tanto pelo. Seja econômico no xampu, seja rico. Pouca telha, grita o moleque pela janela, mas quando os alienígenas invadirem o planeta com suas cabeças acentuadas e nenhum resquício capilar os carecas vão definitivamente ser a ultima moda.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O bagulho é doido.


Valdo andava conversando com espírito, cabeça em pandarecos. Não tinha grana, nem era capaz de lembrar ultima vez de carteira cheia. Nem sempre foi assim, tinha estagio, faculdade completa, família bonita colorida em porta retrato da sala.
A vida estava ingrata por esses dias, de quem seria a culpa?
Não via televisão, não ouvia música, moedas de troca. Seu ritmo agora era o barulho frenético dos carros no asfalto, buzinas nervosas, gritaria e sirene de patrulha. Às vezes pintava em casa, a mãe esgotada de delegacia e IML. Viver não era isso, às vezes a cura é o atalho para o inferno.
Valdo já foi gente, fez catecismo, canudo de formatura, nem tinha tanto tempo, não lembrava quando. Neurônio queimava todo dia, demente rindo do nada na calçada, chorando choro sem lagrimas, seco, secura, o tempo de uma puxada. Maltrapilho assustando transeunte no ponto do ônibus pedindo dois reais. Na fissura roubaria um banco, mas patético só roubava mãe, si próprio, vendendo por nada a roupa do corpo sebosa de alguns dias.
Nunca teve briga ferindo o histórico escolar, agora saia no braço por um cigarro, coragem ilusória, apanhando sem sentir, desacordava estirado na calçada.
A vida era o hoje, o ontem já tinha passado um tempão, sem memória e sem futuro. A onda era o que importava, minutos de êxtase, um universo mágico, longe dessa porra toda, que valia qualquer preço, deixando a realidade como detalhe no trajeto.
O pai desesperado internou, foram madrugadas infindáveis suando frio, maldizendo os parentes. Melhorou com o tratamento, dias ensolarados novamente, possibilidade de alta a vista. Quase gente de novo aproveita o descuido da segurança e pulou o muro da clinica na intenção de surpreender seu povo no domingo das mães, depois do susto veio à aposta de melhora, palavra de um novo homem. As semanas mostravam proximidade de verdade, só que um momento de frustração trouxe a recaída, aí foi cachimbo no bolso, frases a esmo. Voltou pra rua, mentira mal contada, tapa na cara de polícia, mendigo de barba feita. Longe de casa, perto do fim, engrossando estatística, ilusão perdida mesclada na cabeça fraca, pois o momento de ser forte pode ser aquele que está mais frágil.