terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Frevo, suor e lágrimas


O Brasil não acontece antes do carnaval, época de esquecer problemas, conhecer gente nova, enfiar o pe na jaca com essa gente nova. Olinda foi meu destino, blocos famosos, cores e fantasias. Fiz parte de um grupo de dez figuras com um intuito de aprontar muito. A malta carioca com sede de beijar na boca se misturou com os cafuçus na primeira noite ainda escassa de turistas. No primeiro instante um freio na nossa euforia, Patrick o mais jovem do grupo entrou com o pescoço na direção de um tapa de um cabra retado, ninguém foi capaz de anotar a placa da jamanta, mas com lagrimas nos olhos nosso menino foi consolado por uma gatinha disposta a dar carinho para um rosto triste. Fomos obrigados a mudar uma musica local que dizia que o carnaval começa no galo da madrugada para o carnaval começa quando Patrick leva porrada. Tudo bem quando termina bem, depois foi só alegria, na mesma noite Ricardo nosso bem vestido integrante trajando uma camisa de microfibra e seu jeito galante estreou nosso ninho na companhia de uma paulista cor de jambo de corpo bem feito, mas como diriam os pernambucanos não tinha lá um rosto muito bem organizado. No dia seguinte os trabalhos começaram cedo e Julio, com sua aparência de mocinho de novela das oito lançou na galera duas simpáticas britânicas que desde então fizeram parte do nosso bando, as inglesas despertaram amor, ódio e uma delas contagiou alguns integrantes com uma micose nojenta que tinha no braço, nada que uma pouco de Hipoglós não resolvesse. Nossa casa estava longe de seguir regras básicas de higiene, era um monte de homens dormindo em qualquer canto, tomando qualquer banho e fazendo necessidades em uma privada quase sempre entupida. Nosso despertador era o sol quente batendo no telhado sem laje e empurrava o povo pra folia cedo, na chuva as goteiras substituíam o chuveiro por causa da potencia.
Viramos possível alimento de tubarão em Boa viajem, em Porto de galinhas pisamos em ouriços para economizar jangada. Detalhes sem importância no caminho da felicidade. Musicalmente é a época do ano perfeita para poluir o cérebro com uma porcaria que não sai nunca da sua mente, nesse caso foi o rebolation, mas felizmente era substituído algumas vezes pelo tradicional frevo não menos repetitivo porem agradável.
Logo nos primeiros dias fui mordido pelo pernilongo da paixão e engatei um tórrido romance, minha neguinha vivia enclausurada na rua mais movimentada da cidade, para tudo se da um jeito e descobri uma maneira de chegar rápido na casa da minha amada, aguardava passar um dos milhares bonecos gigantes e me posicionava bem atrás dele que ia distribuindo cascudo na grande multidão com seu enorme punho, funcionou o plano, mas deixo a dica que é melhor ficar longe dessas feras. Com toda a vitalidade dos vinte poucos anos, a rapaziada também não ficava para traz no quesito amor, amavam muito, amavam varias, amavam todas, como melhor exemplo meu amigo Felipe que protagonizou um encontro curioso na nossa porta, a ex veio de surpresa e o pegou no pulo com a atual e a confusão só não termina em briga porque uma terceira namorada apareceu para separar e sair com ele de mãos dadas. Era a magia da festa pagã que fez com que o eloqüente Daninho vestido apenas com uma cueca do bob esponja segurando no peito o porta retrato roubado da risonha dona que nos alugou a casa, atraiu o amor de uma musa da beleza vitoriana, que em outros tempos seria com certeza uma duquesa, mas nos dias atuais com diriam as línguas ferinas do nosso povo, parecia um dragão de komodo. Renatinho com seu jeito arisco foi considerado um jumper aparecendo como um saci nos momentos menos esperados e curtindo de leve seu namorico com a carioca de sorriso suave. Raul era o nosso lobo solitário, desaparecia nas ladeiras como um ligeirinho de desenho animado colecionando amores e fama. Rafael era uma espécie de vampiro de estimação, não suportava a praia e nem era fã de tanta badalação, mas seu charme calado atraia a mulherada mesmo nos momentos de estomago embrulhado. Dieguinho com sua cara de menino e fantasia de anjo aloprava recebendo beijos e provocando sustos dando rajadas de liquido suspeito com sua pistola dagua que tinha tudo menos água. Nossa alimentação variava entre tapioca e acarajé, e surgiu na casa um brigadeiro de orégano que deixou a galera um pouco confusa. Ninguém deixou de experimentar uma tradicional bebida chamada pau do índio que sem sombra de duvida seria capaz de abastecer um veiculo. Já sou bastante viajado se tratando desse feriado, mas reconheço sem motivo de remorso, foi meu carnaval mais completo, todos os detalhes são felizes elementos desse sucesso e ainda deixa muita historia para ser contada. A tristeza ficou para hora de abandonar a bagunça e começar a contar os centavos para começar tudo de novo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O inferno de estimação.





Miro gordo se impressionava com o sabor suave da cerveja gelada tão condenada nos últimos anos. Antes rei do carnaval, agora um simples plebeu impressionado com menores prazeres. O seu reinado fora abandonado muito tempo atrás quando o doutor lhe apresentou o resultado do exame que condenava veementemente sua obesidade mórbida. No começo, frustrado, abandonou o titulo monárquico que lhe acompanhou por pelo menos oito carnavais. Além da fama deixou também de lado o maior dos seus biscates, que lhe gerava comerciais e apresentações em todo o ano porque vivia no país do carnaval.
Magoado com o destino, jurou que a folia do começo do ano nunca mais teria sua presença. Os amigos de antes deram espaço para a devoção e abraçou de vez a fé da mãe freqüentadora dos cultos. Tentava convencer aos outros e a si mesmo que para estar vivo teria que condenar todo seu passado de esbórnia. O Bonachão, incapaz de passar na roleta do ônibus, virou um flácido e melancólico novo magro. Escondido debaixo de um terno surrado sofria com o calor dos trópicos nas lindas manhãs ensolaradas de domingo.
Com a tristeza estampada nas olheiras, Miro magro, agora invisível caia por terra vivendo a sombra do dilema cruel que lhe colocara o doutor. Sua melancolia era toda porque se descobrindo magro, se descobriu outro Miro. Um Miro sem graça e sem sal. Não era rei no carnaval nem em outra época do ano qualquer. Participou de inúmeras palestras em que lhe diziam inúmeros benefícios que a falta de peso lhe traria, inclusive uma aparência elegante que agradaria o publico feminino que quando gordo só tinha transito como amigo.
Miro magro sobrevivia tropeçando pela vida, tentando afogar a saudade da época de folia. O carnaval de desbunde, indecência e alegria. Perdido na multidão, deixando de lado a pobreza, o mau humor e as constantes noites de solidão. Nos seus trinta e quatro anos de vida, Miro gordo só sabia ser gordo, quando se descobriu magro dentro do espelho se esqueceu da vida. Ficou magro para viver e acabou vivendo menos por ser magro. Lutava para acreditar que solução não estava na bíblia, nos irmãos que lhe davam ternos rotos e tapinhas nas costas de parabéns se dizendo orgulhosos.
Parabéns de que?
Orgulhosos como?
Como se pode querer bem a àquele que começa a deixar de se gostar?
A vida só começa quando começam os sonhos, e Miro gordo perdeu seus sonhos junto com seu peso. Tentou substituir com novos, mas descobriu perplexo que não lhe restava nenhum. Só possuía sonhos de gordo. Sonhos de farturas e abusos. Bebendo toda cerveja e comendo toda fritura que lhe apetecia. Admirador das carícias emprestadas e desprovidas de segundas intenções que as mulatas lhe dispensavam no carnaval. O suor brilhante, os flashes das fotos, os pequeninos fantasiados que os pais traziam sorridentes para tirar retratos na sua companhia. O gordo aparecia, e amava sem sentir sua gordura, o carnaval sorria para sua gordura, as pessoas o amavam. Perdendo o peso e o titulo monárquico, Miro magro, abatido e sisudo não existia para ninguém. Suplicava um cantinho no paraíso, agora bem mais leve, e jurava tentar esquecer o inferno, o pecado do carnaval.
Mas que pecado afinal?
Um mundo de gente esquecendo os problemas e vivendo de amor. Uma chuva de confetes e um turbilhão de sons diferentes de uma só vez castigando os tímpanos e anestesiando as tristezas. Miro gordo fazia parte disso. Miro magro foi incapaz de perceber, preocupado com cirurgias e dietas forçadas.
A lata de cerveja gelada descendo suave pela garganta o trazia de volta ao carnaval. Ao seu inferno de estimação, nunca esquecido apesar de tantos sermões. Não estava pronto para se despedir. Miro magro sem jeito voltava para seu universo, descobrindo embasbacado que gordo ou magro ali era seu lugar. Abriu mão do passaporte para o paraíso prometido, voltando para gandaia. Miro magro, gordo, rei momo ou plebeu no meio do povão, era o Miro que nunca feliz novamente. O carnaval do gordo, magro, preto, branco e mulato. Carnaval do Brasil e do mundo. O brilho que não se apaga, condenado pelo longo feriado, pelos desgastes, amado pela liberdade, alegria e vida. No meio dos índios, pierrôs e colombinas. O povo abria os braços e recebia de volta o rei momo magro, o Miro do carnaval.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Cuide bem do seu mascote




Boca de bueiro era proprietário de uma bela casa de aves na alameda. Lugar encantador tinha ração, peixe ornamental, hamster, tudo para fazer a alegria da criançada. O dono vivia para as mulheres, drogas e bebidas, um pandego no meio da natureza engaiolada. O pai aposentado de muitas posses bancava as extravagâncias para evitar o ócio do vagabundo que aparentava um futuro negro. Era uma besteira atrás de outro, sem pudor promovia festinhas dentro do estabelecimento com amigos e putas sob olhares perplexos de clientes. Acidentes faziam parte da rotina, periquito que fugia, coelho assassinado, sobrava sempre para mercadoria, viva ou não. Tinha um boato que boca vendia bagulho escondido na ração, mas nunca foi comprovado. O absurdo maior ocorreu em uma festinha num sábado de manha, um calor de rachar a cuca a freguesia era atendida entre copos de cerveja que boca revezava com um casal de amigos, horas depois o estoque da birita chegou ao fim e os embriagados resolveram improvisar diante da clientela chocada, sobrou para o líquido de dentro do aquário do beta. Em pequenos recipientes os solitários peixinhos viviam seus últimos momentos, mesmo com fama brigão que luta contra o próprio reflexo no espelho não intimidaram os doidos. De uma só golada a água descia com peixe e tudo. Um beta mais bonitinho que o outro, lutando goela abaixo antes do último suspiro. O novo drink não deu onda, mas causou uma dor de cabeça danada. Denunciados os bêbados quase foram linchados pela crueldade, a sociedade protetora dos animais fechou o local do crime e boca de bueiro ganhou férias eternas para alegria dos bichinhos de estimação.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Enfim carnaval


Nos anos sessenta, o carnaval no rio vivia uma época romântica, blocos animados atraiam uma multidão alegre, os bailes varavam noites de paquera num clima de harmonia. Por vezes surgia pancadaria, mas sem tanta violência logo terminava em abraço e cerveja. Vicente era apaixonado por carnaval, com seu jeito irreverente formulava adoráveis fantasias, gaiato por natureza não perdia a oportunidade de aprontar no feriado. Comprou uma fazenda preta e convenceu seu amigo alfaiate a transformar em duas batas mórbidas, uma pra ele e outra para o próprio timidamente cúmplice das suas peripécias. Até então fantasia de morte não era algo incomum, já dividia um grande espaço com os pierrôs e colombinas, o diferencial era Vicente que sempre arrumava uma maneira de aprontar. Para não desapontar seu povo, comprou um pinico novinho, como aqueles que viviam debaixo da cama de nove entre dez pessoas da época, encheu o recipiente com guaraná e para finalizar colocou um imenso pedaço de paio cozido horas antes no feijão da sua casa,ficou idêntico a necessidades fisiológicas. Saíram pela noite de folia causando repugnância por onde passavam, Vicente oferecia seu pinico para cada transeunte enojado pelo caminho. Pararam no bar da moda para curar na cerveja o calor da fantasia, quando um negro alto com cara de poucos amigos reparou na sacanagem.
-que nojooooooo!!!!!
Escarrou dentro do pinico demonstrando pouca tolerância com a brincadeira. Diante da real possibilidade de briga anunciada Vicente célere retirou o cuspe o quanto pode para logo dar um gole no guaraná e uma dentada no paio. Nesse exato momento o negão foi tomado por um súbito enjoo que o fez colocar para fora todo o campari que tinha bebido, dando assim um fim a porradaria que estava se formando. O pinico ficou celebre, seu Manuel do bar vizinho, trocou o utensílio por uma caixa de cerveja depois de constatar o aumento do movimento por causa do incidente no rival, o engradado terminou na mesma noite consumido por Vicente, alfaiate e o negão que a essa altura queria mais era colocar pra dentro o álcool que tinha perdido, afinal era carnaval.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Uma noite quase romântica


Bernardo trabalhou durante toda semana a idéia de rolar uma coisa mais forte. Tinham quase dois meses de namorico e nada. Apesar da vontade de abrir a guarda, Sônia tinha receio em agir por instinto, a dificuldade só aumentava a empolgação do galã que jogando pesado conseguiu uma mesa em um restaurante fino. Na manha que antecedeu o encontro mandou flores. Na noite era só cortesia, abriu porta do carro, pediu vinho caro, seu perfume másculo envolvia o ambiente. Encantada resolveu não resistir e aceitou terminar o jantar na luxuosa suíte do palace.
Namoro quente, coração acelerado e uma forte dor de barriga chegando com tudo sem ser convidada. A incontrolável chuva negra não permitiu que a pálida donzela paralisasse o ato, empesteou o ambiente. Por razoes obvias Bernardo não passou ileso, mas diplomático não perdeu a compostura, levou a constrangida namorada para a ducha. Sem clima acharam por bem terminar a noite ali. No retorno para casa, caricias, compreensão, Sônia pensou na ironia do destino, o acidente fez surgir à certeza de estar acompanhada de um grande caráter.
O gentleman a deixou na porta do prédio depois de um demorado beijo de despedida.
-cagonaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!!!!!
Berrou Bernardo quando arrancou com o carro.
Rubra de vergonha diante do porteiro ela teve uma certeza, seu príncipe tinha novamente virado um sapo.