segunda-feira, 26 de abril de 2010

Comeno poeira


Maria é nome de tarde salgada no mar de meaípe
Noite no sereno da vontade, pisada que tira unha, bejim sem fim
Papel com contato escapando do bolso furado
Vontade de sumir lagrima nos zoio
Depois sorriso, o acaso pintou com as cores da minha alegria
A realidade veio viciada em perfume na camisa
Enamorado da estrada para sorrir de novo
O sacrifício detalhe do romance, despedida olhos marejados
Sofrimento esquecido no frio da barriga de cada encontro
Virei mineiro, bebi cachaça cara e cerveja barata
Aprendi que montanha que não esconde mar traz vento frio que aproxima
Durou o tempo de ser bom, esnobei a eternidade, vampirizei madrugada xeretando sorte de Maria
O destino foi casamento estranho, bolo cafona e dia feliz
Deu vontade de ser novela e raptar Maria mais eu
Desatino puro, não se estraga sonho com susto
Apesar de desconfiar que o impossível vira possível se pagar o preço da atitude
Restou foto encardida na gaveta do pra sempre
Mas também abelha cínica azucrinando o tédio de Maria

quarta-feira, 21 de abril de 2010

É dia de feira.


Morrendo de vontade de comer uma tapioca despenquei um sábado de tarde de Niterói para São Cristóvão na direção da feira de tradições nordestinas. O lugar é bem legal, dois palcos enormes tocam principalmente forro, milhares de barracas vendem do artesanato a carne de sol. Comi uma tapioca de charque com queijo coalho que não foi à altura das muitas que me deliciei na ladeira da Sé em Olinda, mas serviu para matar a saudade daquela atmosfera agreste. Quando retornei para casa, olhando de longe o pavilhão lembrei-me da gafe que cometi alguns meses atrás no mesmo lugar, é que na ocasião tinha buscado no aeroporto duas amigas pernambucanas e passando no viaduto próximo da feira anunciei o lugar como feira dos “paraíbas”. Sob protestos tratei de corrigir o furo, o local não é um privilégio dos paraibanos concentrados no seu pequeno estado na imensidão do nordeste, e a palavra Paraíba já se tornou um apelido pejorativo de estremo mau gosto para o rotular os nordestinos. Deixando de lado a mancada, não deixei de matutar um devaneio, porque não inventam uma feira de tradições “sudestinas”?
O sudeste tem nos seus quatro estados uma variada cultura e culinária, seria interessante encontrar no mais remoto sertão um local onde se pudesse devorar uma feijoada, ouvir um bom samba e tomar café com pão de queijo. A nordestina daqui virou um famoso ponto turístico depois do incentivo do governo e passou a reunir além dos saudosos nordestinos gente de todo o Brasil. Então deixo minha idéia para os governantes do nordeste, apenas espero que se um dia uma coisa doida dessa acontecer ninguém venha cometer a gafe de chamá-la de feira dos “cariocas”.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O craque.


Ronaldinho era uma unanimidade no Barcelona com suas arrancadas sensacionais, falando em bola, ninguém tinha outro assunto. Na roda de passarinheiros Cebolão debochava do talento do fenômeno.
-craque fui eu!
Já tinha falado isso de Romário, Guarrincha e Pelé, obvio que ninguém dava ouvidos para um freqüentador assíduo do manicômio da cidade, muitas vezes por cultivar o péssimo vicio de pular muro da casa de vizinhos, fazer necessidades no quintal e limpar com a roupa do varal.
Cebolão tinha cinquenta e cinco anos de maluquice, insistia que podia ter sido ídolo no esporte, mas não passava de um biruta libertino que desafiava o pudor das famílias andando na rua trajando uma samba canção frouxa. Vez por outra era caçado pela multidão ensandecida, munida de paus e pedras por motivo de alguma obscenidade. Um construtor de burradas como diria o pai português pouco antes de abandonar o filho único, ainda adolescente a sorte de dona Esmeraldina, o ser da natureza capaz de suportar um rebento com nível elevado de problemas. As internações constantes e medicação controlada faziam parte da rotina, vivia para os passarinhos e mentiras absurdas que criava, a molecada se divertia com os palavrões descarados, os senhores de idade suportavam pelo amor do doido pelos curiós. De engaiolados ele entendia, conhecia todos os macetes na hora da troca, de vender, madrugava na porta dos aposentados para as transações.
Certo dia por motivos de saúde, dona Esmeraldina teve que contar com os serviços duvidosos do filho para ir ao banco em busca da sua aposentadoria. O obrigou a colocar a dentadura que incomodava, camisa social e pegar leve no palavreado para ficar bem apresentável.
Virou Seu Sergio, suas lorotas seduziram a simpatia de Dulcinha, tímida solteirona que conheceu na fila do estabelecimento. Em uma semana estava apaixonada pelo Antonio Fagundes da alameda. Passeavam de braços dados, comiam pipoca no shopping, Cebolão irreconhecível soltou seus passarinhos, se adaptou aos banhos diários e dizia coisas bonitas ao pé do ouvido. Falava-se em casamento, todo mundo assistia perplexo o desfecho do romance.
No fim de semana do noivado, Sergio resolveu deixar de lado os remédios, sentia que estava estabilizado emocionalmente para tanto. Na noite de sábado foi estranho seu tom de voz elevado depois do cálice de vinho, estava nervoso, trincando os dentes. No dia seguinte a ausência de juízo o fez praticar o antigo vicio e largou um barro no quintal arborizado da casa da amada. Depois do almoço de domingo, toda a família da noiva presenciou em estado de choque o lesado usar o vestido novo de Dulcinha como papel higiênico. Fim dos planos de casório, fim da liberdade. Passando nova temporada no hospício, aposentou a dentadura no copo dagua, e se tornou novamente Cebolão, o Rei do futebol.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Um minuto molhado de silêncio.


Alguém me empresta um submarino, uma arca de Noé moderna, para salvar vida de carioca, mas também de gaúcho, nordestino e paulistano. O rio é um pouco de tudo, a chuva é caprichosa desce estrondosa, derrubando barraco, derrubando sonhos, desaparecendo com pessoas. Escrevo isso ouvindo desesperado do quarto o massacre da água, com a certeza a manhã seguinte será molhada de tristeza. Gente inocente engolida pela fúria da natureza. Todo mundo cansa de ouvir dizer que o ser humano não é tão inocente porque desafia o meio ambiente, constroem casa na encosta. Se existe inconsequência, o capitalismo tenta comprar segurança, algumas vezes gasta reservas com ignorância porque de repente chega o mar de lama, engole rico, engole pobre, fecha caminho, modifica a geografia que pode ser bela e pode ser fera. O Haiti é quase aqui, a gente descobre besta que ninguém é hercúleo com a natureza, nenhum lugar no mundo esta preparado para dias debaixo d’água, de terra vibrando, placas tectônicas, é tanta coisa que o bicho homem às vezes nem têm chance de saber do que esta morrendo. O fim do mundo é todo dia, os chefes de segurança pedem calma, massacrados, quem pediria desespero? O desespero já é efeito do momento, o silêncio é o que sobra para o óbito, a dor resta para quem fica. Uma melancolia retida no peito por se descobrir tão pequeno, volúvel brinquedo da tempestade.