quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma choldra ignóbil.





É época de sorriso roto em adesivo de carro. Não é necessário ser bonito, apenas a arte de rir sem vontade, a técnica de vender bondade com prazo de validade. Dias fatídicos que o horário nobre da televisão é gratuito, mas custa caro pra gente que troca à novela pela divina comédia humana. No picadeiro o mágico apresenta no presente a carta que vai tirar da manga no futuro. Política se alimenta do amanhã, principalmente por saber que memória é luxo de enciclopédia.
O monstro jurássico que promete acabar com a miséria é o alimento de campanha. Um jingle insuportável fica na cabeça depois de seguidas voltas do carro de som. O pedágio do traficante vale um tour pelo morro, conceito com a rapaziada, a ratazana foge assustada pelo esgoto a céu aberto que promete fechar, solta os fogos que se confundem com balas e banca o churrasco de gato. Depois contrata meia dúzia para balançar bandeira na rua, vestindo as cores da sua prepotência na camiseta apertada. Só alegria, beijo seco na criança remelenta, dentadura pro idoso e cachaça para o bebum. Na noite em casa pensa em números, toma sal de frutas pra curar a feijoada indigesta que foi obrigado a provar. No fim das contas vitória do ego, os espólios da batalha sobram para poucos, para muitos, chá de sumiço, esbarrão de segurança. A bondade vira arrogância, uma casa de praia no condomínio fechado. E um mais novo estranho familiar estréia trajando Armani e vomitando demagogia para platéia sonolenta em algum canal a cabo. Saboreando a herança dos devassos na capital que inventaram no coração do cerrado, longe da ralé, das enchentes esperando quatro aninhos pra sorrir de novo

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Troca ingrata


No começo dos anos oitenta, pouco se conhecia de recicláveis, não existia garrafa pet, latinha pouco popular (duras e sem valor de revenda), tudo funcionava na base do vidro, o famoso casco.
O casco era vedete na economia de secos e molhados, e de carona nessa febre surgiam no mercado informal alternativas de se lucrar com isso. Guardo na memória uma dessas aventuras que infernizava os lares suburbanos nos fins de semana, o famoso picolé ou pinto por garrafa.
Na carroceria de um velho caminhão, um gaiato de pouca credibilidade urrava no megafone “é picolé ou pinto por garrafa”, a polemica frase atiçava a molecada que assaltava o engradado no quintal de casa para trocar pelo interessante pintinho rosa, um milagre ordinário da ciência clandestina. O picolé derretia encalhado enquanto os pintinhos partiam sufocados para o novo lar. Alguns dias piando, cagando e gastando luz forte na gaiola improvisada perdia metade do charme rosa e se tornava um frango desbotado. Novo demais para ir pra panela, com tamanho suficiente para incomodar com sua catinga a pequena ave deixava o clima tenso. O ultimo suspiro de paciência se esgotava no dramático almoço de domingo ausente da coca litro que o português da padaria se recusava em vender sem trocar o casco. Era o momento de alguém partir e o penoso ia parar no abatedouro do bairro. Meses depois a epopéia terminava com o retorno do pintinho ao antigo lar, dessa vez por cima, cima da mesa. Assado, cozido ou ao molho pardo o indesejado hospede de antes virava novamente o protagonista do espetáculo.