segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Quinze anos



Fernanda acordou para seu dia cor-de-rosa. A mãe chorosa levou café na cama, o pai orgulhoso arrebentou as economias na festa de arromba. Parentes vinham de distintos lugares, todo bairro convidado e até mesmo uma reserva especial para possíveis penetras. Um momento único, quem chegasse assistiria seus quinze anos. Depois da longa missa que fez o estômago dos presentes urrarem de fome, o padre liberou o povo para o salão da igreja. Foi àquela caravana desenfreada adentrando com e sem convite e deu início o espetáculo. Crianças histéricas corriam por todos os lados, senhoras ofegantes roubavam os arranjos da mesa, garçons serviam variados canapês. No meio disso chega Agenor o namoradinho, levou meses economizando mesada e trouxe de presente um urso branco de pelúcia quase de tamanho natural, o pomposo presente fez o evento parar, e ele receber um forte abraço e a promessa da primeira dança.
Lá pelas onze, a festa caminhava em um clima de harmonia quando Marcílio furou a festa com sua corja de maus elementos, frustrado por não encontrar resistência resolveu ir além da simples penetrada.
-vou faturar a aniversariante! Comunicou para galera.
Entre risos e desconfianças sobre o sucesso da empreitada iniciou o flerte. Alto e bem-apessoado avistou a lebre e se fez notado pela presa, pouco depois já tinha toda a atenção da princesa. O até então príncipe, nerd de carteirinha não tinha como evitar a investida do sedutor, já que a estrela da noite não podia deixar de dar atenção aos seus súditos e meia-noite começou a valsa.
Atenções voltadas para o salão, à debutante iniciou com o pai como manda o figurino, depois foi o padrinho e quando Agenor se preparava para sua vez Fernanda tira Marcílio da multidão, espanto geral. Em dez minutos de dança estavam quase todos conquistados pela beleza do novo casal e como em um conto de fadas acontece o beijo. Nesse ínterim, aturdido com o acontecimento, restou ao príncipe traído o caminho de casa, trajeto que levou regado aos goles da garrafa de uísque que furtou da mesa do ex-sogro e abraçado ao enorme urso de pelúcia que pegou de volta.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Pobrezinha


Dona Lorena era a pior fofoqueira da rua. Incapaz de um sorriso sincero, tudo na sua vida era baseado no interesse que remetia o que podia ser melhor para si. Assim convivia com os vizinhos semeando discórdias, rainha das intrigas. Ninguém sabia sua idade, por baixo devia ter uns cinquenta anos de bairro, lugar que foi casada e hoje se encontrava viúva. O que se sabia era que desde sua existência ambiente nunca mais foi o mesmo.

O falecido, o querido Seu Rufino, era boa praça, uma gentileza com o próximo que ninguém entendia como vivia sobre o mesmo teto que tamanha surucucu. Quando partiu, cedo na casa dos sessenta, conspiraram que foi envenenado pela megera, um gozador disse que morreu para se livrar da danada, mas na verdade sofreu infarto do miocárdio. Passado o velório tinha quem apostasse que a viuvez traria um pouco de humildade naquela carranca, e foi nesse momento que a bruxa apareceu.

O rancor da solidão fez surgir uma fera perigosa capaz de expulsar o filho de casa e colocar vidro em bife para matar cachorro de vizinho. A peste era danada, quanto mais grisalha, mais maléfica. Uma nuvem negra que sobrevoava aquele sobrado que parecia um castelo de filme de terror.

Quando todos já imaginavam a desgramada como eterna, caiu doente. Ficou um trapo, caquética e desmemoriada. Uma figurinha tão frágil, que em nada recordava o tsunami de atrocidades. Sua família que essa altura já tinha ido cada qual para um lado providenciou uma ajudante para acompanhar seus últimos anos sem envolvimento afetivo. E assim, abandonada limitou seus dias em caminhadas pelas calçadas nas manhãs de sol. Irreconhecível, apoiada na enfermeira e sem qualquer sinal de sanidade mental, ria abobada para quem passava na alameda quando um garotinho que atravessava a rua cutucou a mãe.

-olha ali que vovó boazinha!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pedra na cabeça.


Eu sempre fui desses de amigo imaginário, tenho um que já existe maior tempão. Na verdade é mais velho que eu, acho que deve ter ficado de bobeira me esperando nascer para atazanar. Sendo assim, não é difícil prever que muitas vezes ele se torna um inimigo, figura pernóstica, na espreita para me sacanear, pois digo e afirmo toda vez que errei foi ele! Esse descontente que brinca com o meu juízo.

Esse sujeito safado, que veste minha roupa e se esconde bem na hora que a merda estoura. Assim vou sendo estranho, com essa coisa besta que só eu vejo, só eu entendo, tantas vezes perseguido e hoje em dia levo com afeto, um carinho de quem se rende. Não sou tão imbecil para chamá-lo de companheiro, quem sabe um pouco, incapaz de criar rótulos para esse espírito que nada tem de santo, pois nessa vida já tentei mandar, lutar, no entanto apenas obedeço, vendo o impossível antes da esquina do sucesso. E vou sofrendo, montado nessa mula desembestada, atravessando sinal fechado, falando mentira, queimando pedra e dando topada no destino. Alimento-me das calúnias para pedir, esmolar, roubar quem passa, debaixo da marquise, escravo da fissura que me bagunça, me marginaliza, me leva para o gueto. No espelho quebrado na sarjeta não reconheço essa figura nervosa, que vive babando seu destino e está sempre preparado para gozar o momento curto que em um piscar de olhos troca seu paraíso pelo inferno.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A fila anda!!



José Pedro era um cara esquisito, vivia escravo do que iriam pensar dele, até que o amor traiçoeiro lhe pregou grande peça e se viu caído por Sofia, a loba do 1205.
Tudo começou no elevador, trocaram olhares de desejo, ela convidou para ajuda-la com as compras e solícito, foi parar na caverna do dragão de onde já saiu namorando.
O garoto com seus vinte tarados anos apreciou seus ares de homem da casa, era uma mulher bem-sucedida, morava sozinha na cobertura do prédio, defensora pública de foto no jornal e motorista na portaria. Apesar do glamour era feia de tirar dente de leite de criança, na idade não passava dos cinquenta, mas na feiura ganhava mais uns trinta anos de lambuja. Porem romântica e bem remunerada a coroa lhe dava de um tudo e lhe colocava no céu com seu fogo contido.
Como nem tudo na vida fica entre quatro paredes, o rapaz levou um banho de água fria quando soube que estava sendo conhecido na galera como Pedro da velha. Não bastando o vulgo desagradável ainda gemia de vergonha toda vez que desfilava de mãos dadas pelo condomínio (gesto exigido pela amada que pagava as contas).
Daí, na sua cabeça influenciável começou a questionar o namoro. Rodou a baiana e decidiu diminuir o ritmo da relação. Insultada com a atitude que lhe colocava no patamar de amante, Sofia colocou o moleque porta afora. Apesar do susto, Pedrinho saiu confiante, afinal de contas era jovem e bonito, sentia no íntimo que ela dançaria conforme sua música com o tempo. Para apimentar o drama o malandro passou uma semana febril na casa da avó. Até que seu peito transbordou de saudade e retornou.
Guardava no íntimo que quando ela o avistasse se atiraria aos seus pês pedindo para voltar. Só que o destino, brincalhão e zombeteiro aprontou uma das suas, com um banho de loja e ego inflado Sofia resolveu seguir o dito popular que a fila anda e apareceu no pedaço com seu novo gatão, mais novo, mais belo e proprietário de um carro zerinho que segundo as más-línguas era o presente que reservara para o primeiro mês de namoro com Pedro.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

O rei da noite


Ficou fosco o brilho da noite carioca! Não estou aqui para condenar a truculência que culminou no óbito, covardia desmedida, tiro nas costas, sensacionalismo que não merece gastar palavra, deixo isso para vender jornal e elucidar o caso. O bom mesmo é falar da euforia, vibração, elementos que nunca faltaram para Marcelo, um cara folclórico, conhecido, querido, principalmente por aqueles que sabiam se divertir, viver bem. Acordei com o susto da notícia, o sábado de dia azul ficou cinza, a morte chegou de maneira bruta, fez por um momento a vida parecer tão pouco. Porém foi um ledo engano, esse cara soube bem como levar a sua, saboreando cada minuto.
Nessa época em que sofremos uma epidemia de depressão, Bicudo doava alegria, agregava amizades, reunia gente, amava isso tudo. Era um bando social, comandado por um maestro amador que capitalizava carinho, calor humano. Sua morte bruta não apaga a graça da sua existência, essa eterna festa que fazia da vida. Muita gente se divertiu com essa figura que não discriminava classe, cor ou opção sexual. Gostava de gente e enquanto tiver uma alma viva curtindo uma night, um domingo de sol com praia lotada, vai existir Marcelo Bicudo na memória, deixando seu espirito eterno.

domingo, 3 de julho de 2011

Perfume de mulher


Peracio era uma raposa quase indefesa, deficiente visual transformava sua bengala em arma furiosa no delicado toque da gilete. O treco ficava áspero, onde pegava rancava pedaço, no botequim de seu Zeca tinha tamanha utilidade contra os gaiatos que se divertiam fazendo graça com aquele que carinhosamente chamavam de ceguinho. Era outra época, onde o negro era crioulo e o branco azedo, se passava um afeminado na rua era motivo de alegria, amor dispensado e recíproco enquanto no ar surgiam palavras de veado a corno e no fim das contas sobravam pedras pelos ares e sirene de polícia. No meio disso Peracio tomava sua cachacinha e bajulava uma conquista, feia de doer, mas exalava um cheiro forte de almíscar barato que seduzia o galante de olfato apurado. Para vagabundagem restava gastar piada e tentar fugir das bengaladas, mas nesse dia em especial o romântico resolveu ignorar o público e com a tenacidade de um lince tomou no ar a mão da pretendida. A gargalhada foi geral, mas nem aí, tocou com seus grossos lábios a mão da ébria senhora. O estranho foi, que de tão delicada parecia mão de criança, tanto pelo tamanho como pelo odor que não era tão agradável quanto o perfume que chamou atenção antes.
-meu amorzinho, por acaso, você saiu do banheiro? Perguntou encabulado com o contato.
-não, é que acabei de coçar uma ferida que estou na perna! Respondeu Sebinho, um pivete de uns nove anos que vivia rondando o bar em busca de trocados.
A birosca veio abaixo e sobrou bengalada para todo lado, a patrulhinha que rondava o bairro em busca de maconheiro fez a festa e levou cego, maluco, piranha e até criança, todo mundo parou no distrito que teve seu dia de manicômio. Nesse ínterim a bengala foi parar debaixo da geladeira do bar, e como felizmente não se tem crime sem arma nem defunto, o povo foi liberado de madrugada e a estrela da confusão retornou para as mãos de Peracio que fichado e feliz voltou para casa tateando a calçada esburacada.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O padrinho.

Divaldo Viana adentrou a comunidade semana antes da eleição e foi recebido com certa animosidade.
-descarado, nessa não tem meu voto! Gritou Jurandir.
-mas o da sua mãe eu tenho! Devolveu célere o político.
-pior qu
e a velha vota mesmo! Lamentou o filho abatido pelo cinismo.
O candidato prosseguiu gastando charme, uma criança remelenta no colo e um cortejo de pinguços. Pela frente um desafio, convencer Boca de burro, sujeito influente do pedaço a ser um cabo eleitoral.
-Tenho doze votos só no barraco, quero três vagas de cobrador para os meninos! Chantageou o nordestino.
-papel e caneta, já estão empregados! Divaldo escreveu do próprio punho um bilhete pessoal para o dono da Viação Andorinhas. ‘Caro amigo Virgílio, peço que aceite em sua empresa meus três afilhados, figuras da minha estima e confiança’.
Deixou a favela dominada depois de tamanha generosidade. O final de semana foi de goleada nas urnas, e na segunda, a família orgulhosa do deputado eleito foi na empresa de ônibus reclamar seus empregos. No endereço bateram demoradamente no imenso portão de ferro, enfim abriu uma janelinha.
-pois não! Atendeu um homem fardado aparentando ser o segurança.
-vinhemos entregar isso pro doto vigilo! Gaguejou Boca de burro.
O sujeito levou o papel aos olhos por alguns segundos.
-aqui não tem nenhum Virgílio meu senhor, e vão circulando que hoje não é dia de visita! Fechou a janelinha, deixando os desempregados pasmos diante da penitenciária do estado.
No fim resta a mesma história centenária, quando alguém insiste em um absurdo é chamado de louco, mas quando um louco convence muita gente passa a ser chamado de líder!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Noites de São João


Enfim São João, o inverno chegando, noites aquecidas pelas fogueiras das festas temáticas. O clima caipira invade a cidade com seus trajes e mesas enormes de comidas típicas. Da escola até família todo mundo aprova as festinhas. Alegria no ar, estrelas artificiais se misturam no céu, os populares balões. Afinal de contas, quem foi o primeiro imbecil a colocar no espaço papel e fogo? Tem coisa mais besta?
Bonitinho a os olhos da ignorância adentra a natureza queimando matas, destruindo vida. Violência banida pelas autoridades que continua sendo praticada. Quando garoto tinha um festival bem pertinho da minha casa, depois da minha rotineira denúncia anônima ficava no terraço constatando com alegria que oitenta por cento dessas engenhocas não subiam nem três metros e acabavam por incendiar os chifres dos organizadores. E de carona vem à bomba, passando do estalinho é impressionante como esse treco fica agressivo ao tímpano, o gaiato solta e espera o estrondo, o desavisado leva o susto e fica surdo. Mas a pólvora também se vinga, lembro-me do garoto da escola que perdeu o tempo do pavio estourando a danada na mão esquerda, ficou na brincadeira o indicador, médio e anelar, e ganhou o apelido de Nicolas Hang loose. Porem desanuviando a acidez das minhas lembranças, o que resta é alegria, sair da aula para ensaiar quadrilha, bolo de aipim com coco, Alceu furando o vinil, correio do amor e um espirito festivo que contagia de quadriculado rico e pobre deixando tudo com um gostinho bom de roça.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Vai procurar a sua turma!!!!




Camila doida adorava o apelido, fazia jus a ele, seja nos porres homéricos de vodca com energético ou madrugadas perdidas na fumaça do Bali. As olheiras matutinas não representavam bem seus vinte e um, um objetivo que cultivava na maquiagem pesada. A faculdade era um esporte que não praticava, quase como a ergométrica que servia de cabide, a mãe nem desconfiava pagando religiosamente as mensalidades que serviam apenas para a doida fazer carteirinha e ter meia entrada nos eventos. De festa entendia, do funk ao trance bailava pela nights procurando seu estilo. Personalidade pra ela era bilhete de biscoito da sorte que se guarda pra ler no futuro. Camila era do momento, como a música. Beijava menino escondido pra sentir tesão, beijava menina na muvuca pra estar na moda. Sem menor saco pra se entender, se descobrir, isso o tempo faria com pílulas e psiquiatras. No momento tava bom assim, andrógina, intrépida e chocante. Chamando a natureza para dançar no compasso do seu brilho fosco, sem ligar pro preço que isso ia custar.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O último tubo.




Seu Manel passou a vida no mar. Seu ofício pescador, mas o coroa curtia um surf. Pioneiro do esporte em Niterói divertia-se passeando pelas marolas de Itapuca na ressaca. O aposentado era um romântico, testemunhou a decadência do seu universo azul com lagrimas nos olhos. Depois da poluição veio à idade que não o deixava mais surfar.
Um belo domingo o veterano saboreava a memoria respirando a maresia que vinha da Bahia de Guanabara na praça do seu bairro quando teve uma grande surpresa. A estação de tratamento de esgoto se rompeu despejando seis milhões de litros de esgoto na sua direção. Estava no fim de uma partida de buraco, quando teve que relembrar os velhos tempos, improvisou um pedaço de madeira e voltou para casa surfando a enorme tsunami de merda. A coisa ficou preta literalmente, porem depois de alguns banhos seu Manel não deixou de sentir de volta a adrenalina de ter protagonizado seu último tubo.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Muito romântico

Se eu fosse presidente do Brasil mandava matar todos esses indivíduos que ficam vagando de bar em bar oferecendo aquela florzinha para o casal. Acho que é a típica situação em que todo mundo se fode, se você nega não é romântico, se compra é cafona e a coitada da mulher constrangida não sabe onde enfiar a flor nem a cara se for presenteada. O pior é que isso acontece no momento mais covarde possível, não dá tempo de correr, é dramático quando você percebe a presença do inimigo se aproximando e fazendo as primeiras vitimas, sempre em posição estratégica, de modo que ir ao banheiro parece fuga, plano obvio que acaba frustrado. Vendedor de flor de boteco é igual à abelha no caldo de cana, afasta um e surgem vários, por todos os lados, todas as cores, rosas, amarílis, antúrios. Um jardim de pernas movido pelo ódio que sua rejeição criou com uma missão bem mais pessoal, broxar de uma vez por todas seu encontro.

terça-feira, 1 de março de 2011

A lira do delírio


Karina seguiu intrépida a multidão contente. O centro curtia a euforia da festa pagã. Gelo de escama, cerveja quente e até um chapéu panamá roubado na muvuca. Assim saiu o escravos, único bloco capaz de fazer o executivo trocar o terno pela roupa de piranha e cair na gandaia pela rio branco tomando chuva de ar condicionado. O alívio estava contido na caipirinha, tanta gente, tantas possibilidades descendo com Karina. O tumulto carrega seu corpo, mas ela não pertence, não repara na marchinha, seu silêncio é impenetrável, sua fantasia de odalisca é obscena, atrai olhares porém as lagrimas nos seus olhos espantam na mesma velocidade.
Não poderia existir vilã pior, uma entidade mais ferina que bate bola ensandecido. O carnaval fechou as portas para Karina que indiferente sumiu na praça quinze a bordo da velha barca deslizando pela Bahia de Guanabara. Não deixou saudade, nem mesmo curiosidade. Karina triste cometeu um erro fatal. E não foi culpa da fantasia, nem da ousadia, vacilou feio por não saber em que parte do caminho esqueceu sua alegria.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O pior amigo do homem


O pequinês morde???

Quanto tempo não adentra uma casa de subúrbio e se depara com essa questão?
A televisão vive lamentando a extinção dos orangotangos, mas pouca gente se preocupou com a extinção da antipática raça de cãezinhos nervosos. Latido estridente, vendido a preço de banana, não existia casa que na possuía seu pequinês no quintal. Virou mania, quase uma praga temperamental que saboreava vez por outra a batata da perna de um visitante. Apesar do tamanho os dentinhos vampirescos que insistiam fora da boca era a forma de impor respeito.
Não sei qual mistura genética originou esse bibelô vivo das copas residenciais, sei que não deu certo. O infeliz convivia com uma doença assustadora que fazia cair um olho depois de certa idade. Então o exótico pulguento que já não gozava de aparência vistosa se transformava em um pedaço de capeta que assustava até revolver. Resumindo, não sei por qual motivo aconteceu o fim da espécie, só sei que o pequinês sumiu do mapa. O que restou para os saudosos foi buscar consolo nas réplicas de cerâmica de gosto duvidoso, vendidas nas lojas de um e noventa e nove.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Mea culpa



Quando cursei o primeiro ano do segundo grau conheci Horácio. Não era o dinossauro verdinho dos gibis de Maurício de Souza, sim uma menina da classe que possuía cabeça oval e olhar carente. No meu imaginário nocivo de moleque, criei o personagem vivo. Apesar do ódio da vítima ganhei a aceitação da turma que sentava na parte de traz. Virei um ídolo pop escolar, fumava cigarro nos corredores, passava as aulas falando gracinha. Na hora da prova o zero foi quem mais sorriu para mim. Fim das contas no meio do ano à garota deixou o colégio para fugir do apelido e eu fui transferido para um mais fraco sem possibilidade de passar de ano.
Parando para pensar, meu ponto alto daquele ano letivo foi um apelido cruel que me fez popular, vejo quanto fui idiota e percebo que toda essa conscientização de hoje sobre o bullying é fundamental. O universo escolar pode ser agressivo, lembra um reino animal onde a fera acha melhor ferir que ser ferida, e no fim todo mundo acaba ferido. No momento da vida que esta moldando seu caráter pode ser difícil perceber o peso de uma brincadeira, e tem gente que cresce sem noção disso. Desde cedo é necessário cuidado no humor, pois a piada pode ser dona de todas as gargalhadas do momento, mas pode também causar uma ferida profunda no ego de alguém.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Muito Feliz kkk


Glorinha acendeu a luz do quarto, sem vontade de levantar. Atordoada, com ressaca de um amor perdido, paixão ilusória, que anunciou para os sete ventos, idealizou, sonhou e escreveu. Glorinha sempre foi sorriso aberto de retrato, glamour modesto das redes sociais, tentativa desesperada de ser notada no mundinho ilusório, na revista caras dos pobres. O álbum do Orkut não exibe fotos do seu desespero, onde o gelo do ar condicionado não se compara com o polo norte da sua alma. Dominada pelo nada, abre o note book e examina sua criatura, fantasma risonho que se alimenta de analise e frontal. Exclui rapidamente o álbum cafona onde divulgou sua aposta fracassada, o príncipe encantou seu universo por dois meses o sapo vai durar a eternidade. Jura pra si mesmo que só precisa do ódio e do tempo, mas no mundo virtual, onde tem uma reputação a zelar coloca na frase da chamada em letras garrafais, Muiiiiiiiiiiito Feliiiiiiiiiiiz kkkk.