segunda-feira, 16 de julho de 2012

Lugar de Bandido


Almiro nasceu com o bico doce de playboy. Infelizmente sua classe e sua cor não ajudavam nessa atitude. 
Na infância foi adotado por um casal de idosos com filhos já criados, porem a diferença para os irmãos doutores era limitada pela porta da cozinha. 
Estudar não era a sua, enrolou até o primário. Seu lance era levar na aparência seu sonho de bacana. Arrumou um trampo de mensageiro e entrou na musculação, ganhou corpo e mole das patricinhas. 
Tinha carisma porem também possuía a mania feia de mexer no que era dos outros, uma menina esqueceu o celular no armário, resolveu não devolver. Achado não era roubado, o único detalhe é que a dona não deixou barato e foi na polícia dar queixa de furto. 
Daí foi barraco, dedo na cara, processo e algumas cestas básicas. Vazou da malhação, cansou do emprego e andou uns tempos pela vadiagem. 
Enquanto a família se dividia em cargos públicos optou novamente para o caminho do dinheiro fácil, conseguiu uma vaga em uma empresa de agiotagem no centro da cidade. 
Logo se encontrou, ameaçar dar bordoada em aposentado era moleza. Sucedeu seu estrelato, financiou carro importado, cordão banhado a ouro e cara de mau. 
Foi que certa manhã enquanto ameaçava com uma bofetada jogar longe a dentadura de um coroinha que negociava uma pendência de trezentos reais os homens bateram em cima e deram o flagrante. Sirene ligada, pulseira de aço e cana. O episódio da academia o tornara reincidente. 
O universo marajá ruiu da noite para o dia em uma cadeia lotada de sonhos iguais aos dele. No dia da visita, diante da mãe de criação velhinha que se arrastando foi atender o seu apelo, com lagrimas nos olhos implorou. 
-me tira daqui, isso é lugar de bandido! 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Travessia suburbana


Quando entrei no vagão atentei para as cores. Gente de tudo que é som, trejeitos e amores.
Uma multidão que se espalhava, escapulia desenfreada, transbordando em volume.
Um expresso para o inferno, gente que nem macaco pendurada no relento, desafiando o vento, a sorte o momento.
No destino, descobri calor de verão em inverno carioca, lugar quente, mais perto do sol do que mercúrio.
Se o trem era cheio a estação repleta. Tribo urbana suando, se esbarrando. Gastando o que não podia com o dinheiro que ainda nem tinha.
Não enfrentaria essa aventura senão por um amor no destino. E lá estava ela, com toda sua graça, deixando todas as mazelas do trajeto remetidas a simples detalhe.
Nesse instante o acaso, personagem tão gaiato, fez um pombo atrevido liberar suas necessidades na escova progressiva do meu docinho.
Foi que surge uma questão, no momento de tensão onde o romance deu lugar ao palavrão, será que da para ser poeta em Bangu? 

terça-feira, 10 de abril de 2012

Logo ali!


Começou assim, numa reunião de instantes, gente querida, de perto e distante. Pedro tinha uma década que não aparecia, vivia pelas nuvens, próximo dos astros. Já Tibério, há quatro anos vagava perdido nas estrelas, estrada confusa que se segue sem rumo, sem vontade de chegar. Antônio continuava pelo mesmo lugar, terra firme, talvez nem tanto. Aparentemente variando diante da enfermeira, porem radiante devido ao reencontro nessa sua jornada pelos noventa anos.

Cada qual da sua maneira, foi gente que viveu coisas semelhantes, amou e sofreu por dores do mundo. As lagrimas que abrilhantavam a conversa eram de alegria. Ninguém falava de idade, dor, apenas sossego por mamar com gosto nas tetas da vida.

Felizes, riam alto dos erros e acertos cometidos, e se gabavam dos feitos realizados. Nessa jornada de anos, galopava a certeza que cada hora virava segundos, piques de luz na memória, como sonhos que alguns viveram e outros sonharam, mas todos tiveram.

Depois da tarde curtindo os amigos, Antônio se despediu com um ate logo. Sentado na cadeira de balanço caiu no sono. E assim dormiu para eternidade. Como Pedro tinha feito uma década atrás, e Tibério há quatro anos. E nesse momento sagrado, foi o mundo dos vivos que virou saudade.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Especial


Abriram as cortinas!

Um filme passou na cabeça de Leonor, lembrou Luciana miudinha brincando de princesa. No seu mundinho encantado não cabia maldade, começava no era uma vez e terminava em felizes para sempre. Recordou a tempestade quando diagnosticaram trissomia no cromossomo vinte um. Um medo louco do desconhecido que durou ate colocar nos braços sua menina. Depois foi tocada pelo instinto maternal que transbordou amor e deu inicio a sua missão de fazer aquela coisinha miudinha virar gente. Não gente especial, gente que nem a gente.

Logo veio um oceano de coragem, valentia para enfrentar os estúpidos que olhavam sua criança de lado, que recusavam nas escolas alegando o distúrbio genético como desculpa. Daí virou fera, lutou pelos direitos em uma batalha que não se saberia dizer onde terminava a realidade e começava a fantasia. Nesse interim seguia Lulu, amante inveterada da vida, capaz de curtir os momentos simples que os pessimistas eram incapazes de perceber. Assim se formou bela, vaidosa e bailarina.

A plateia assistia eufórica a apresentação de todo grupo. Cada qual exibia sua graça para o espetáculo, porem ninguém brilhava mais, sorria mais, encantava mais. O carisma de Lulu era arrebatador, cativando àqueles que abriam à guarda para o seu jeito peculiar de se fazer notável.

Finalmente nos olhos marejados dos presentes conquistava sua vitória. Abria os braços agradecendo aplausos. No lugar de pena aparecia o amor de mãe coruja, o orgulho de pai babão e acima de tudo o talento que não escolhe cara, cor nem religião.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Cafezinho


Arlindo era tarado por café, bebia para dormir, para acordar, antes e após as refeições, se sentia uma enorme máquina abastecida por esse combustível, infalível para seu humor funcionar direito. Quando seu celular tocou no meio do expediente estremeceu, era sua tia Laurinda uma mala que sempre que ligava mordia um troco.
-estou muito ocupado!
Foi curto e grosso.
-pois desocupe querido sobrinho, seu Pai acabou de falecer!
Mandou a bomba do outro lado.
O traste do Juvêncio afogava a vida na cachaça e nunca morreu de amores pelos familiares, enterrou a esposa e contribuía assiduamente para os cabelos grisalhos de Arlindo. Apesar dos pesares lhe colocou no mundo e sem mais delongas mandou-se para Arraial do Cabo. No caminho teve outra péssima constatação, era véspera de carnaval.
A estrada repleta a caminho do balneário fez a viagem que levava duas horas se transformou em oito deixando ele tão atordoado que adentrou o velório sem dar conta do caixão no centro da sala e foi parar direto na cafeteira. A família chocada o seguiu para protestar.
-seu insensível, nem foi capaz de olhar o velho!
Protestou a irmã com veemência.
Já recuperando as energias, Arlindo se virou para a roda de parentes e disparou.
-deixa terminar meu café, daqui a pouco vou ali e choro pra caralho!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O sonho acabou


Zé do pão despertava antes do galo. Virava a madrugada forneando, curtindo sua fama de melhor padeiro do bairro. De manha, trocava de turno com Juvenal, que além de colega de trabalho era seu afilhado recém-chegado da paraíba. Porem a dobradinha familiar no serviço não funcionava bem, o garoto não aprendia os macetes do forno e literalmente vivia queimando a rosca. O patrão dava chilique, mas mantinha o incompetente por causa do padrinho e suas horas extras.
Em casa quem mandava era Henriqueta, que vivia com a macaca e descontava as frustrações nos dois trabalhadores. Zé não dava importância ao mau humor da esposa, marido devotado nem ligava quando os amigos insinuavam que era piru caseiro, longe das bagunças e cachaça cultivando seu sonho de voltar para o nordeste, abrir padaria e virar emergente no lugar onde repousa seu coração.
Como fofoca pouca é bobagem logo pipocou na vizinhança o boato que Zé do pão era Zé do chifre, diziam que quando ele saia para batalha o afilhado o substituía no leito.
Verdade ou mentira o couro comeu numa tarde de domingo. Não se sabe quem contou muito menos quem folgou o certo era que pelos gritos os três se encontravam dentro do barraco. Era um barulho de coisa quebrando, palavrões cabeludos. A legião de fofoqueiros foi se formando para ver o desastre. Dez minutos se passaram e foge pela janela Juvenal, disparando morro abaixo. Os presentes não tiveram tempo de comentar o fato de o safado sair ileso quando o próprio Zé do pão aparece, cabeça sangrando da paulada, fita o povo assustado e desce na mesma carreira.
Vai para o quinto dos infernos veado velho!!!!!!!
Grita da porta Henriqueta, indignada depois de pegar na cama os dois padeiros de saliência.