sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Troca ingrata


No começo dos anos oitenta, pouco se conhecia de recicláveis, não existia garrafa pet, latinha pouco popular (duras e sem valor de revenda), tudo funcionava na base do vidro, o famoso casco.
O casco era vedete na economia de secos e molhados, e de carona nessa febre surgiam no mercado informal alternativas de se lucrar com isso. Guardo na memória uma dessas aventuras que infernizava os lares suburbanos nos fins de semana, o famoso picolé ou pinto por garrafa.
Na carroceria de um velho caminhão, um gaiato de pouca credibilidade urrava no megafone “é picolé ou pinto por garrafa”, a polemica frase atiçava a molecada que assaltava o engradado no quintal de casa para trocar pelo interessante pintinho rosa, um milagre ordinário da ciência clandestina. O picolé derretia encalhado enquanto os pintinhos partiam sufocados para o novo lar. Alguns dias piando, cagando e gastando luz forte na gaiola improvisada perdia metade do charme rosa e se tornava um frango desbotado. Novo demais para ir pra panela, com tamanho suficiente para incomodar com sua catinga a pequena ave deixava o clima tenso. O ultimo suspiro de paciência se esgotava no dramático almoço de domingo ausente da coca litro que o português da padaria se recusava em vender sem trocar o casco. Era o momento de alguém partir e o penoso ia parar no abatedouro do bairro. Meses depois a epopéia terminava com o retorno do pintinho ao antigo lar, dessa vez por cima, cima da mesa. Assado, cozido ou ao molho pardo o indesejado hospede de antes virava novamente o protagonista do espetáculo.


Um comentário:

  1. Nossa!!!
    Quantas vezes fiz isso...
    Minha mãe e minha avó queriam me matar!!!
    rsrsrs
    Bons tempos...

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