sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um dia de morto


Barulho seco de freio, som estrondoso de ferro com ferro. Nas ruas mal sinalizadas do bairro uma porradinha de carro fazia parte do cotidiano. Nesse caso um caminhão se beijou com um ônibus vazio que seguia para garagem. Para decepção do povo, não houve feridos, afinal de contas desastre é o teatro do pobre. Observando a frustração Vicente teve uma idéia mórbida, roubou um lençol do varal, espalhou ketchup pelo corpo, deitou no asfalto improvisando o defunto do acidente. Os amigos cúmplices achavam que o gaiato seria rapidamente desmascarado, mas o manequim de presunto estava tão convicto da sacanagem que permaneceu imóvel colocando em dúvida até os comparsas que encanaram que ele parara mesmo de respirar. Os transeuntes aglomeravam e um ou outro levantava o lençol orquestrando o coro de suspiros.
-tão jovem! Lamentou uma senhora gordinha, deixando escapar uma lagrima.
Já escurecia e nem a assistência nem a polícia chegavam. Só uma romaria de curiosos. A brincadeira ia tomando um tom caótico, um pastor inventou um sermão, uma mãe tapou o rosto da criança e um bêbado soltou um palavrão para em seguida ganhar uma tapa de um mulato forte, iniciando a pancadaria que faltava ao espetáculo. Vicente nem se movia, era tão mentiroso que perigava ele mesmo estar se acreditando morto. O acaso veio de jornal de baixo do braço, tímido seu Nestor adentrou o tumulto e perceber que o cadáver era o próprio filho. Era um homem simples, mas de bobo não tinha nada, percebendo que se tratava apenas de mais uma travessura de Vicente, soltou o sonoro assovio característico de quando queria colocar seu moleque na linha.
-fiuuuuuuuuuuu!!!!!! Foi o suficiente para o falecido pular e sair voando entre a multidão no caminho de casa. Um Deus nos acuda, gente correndo para todo lado, criança chorando e idoso passando mal, a polícia chegou dando tiro e a assistência acudindo. O dono do milagre foi pra casa jantar e colocar de castigo o maior artista que a cidade já conheceu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário