terça-feira, 20 de julho de 2010

O saci albino


Cara de bezerro era um espírito da floresta, criatura da mitologia grega meio homem meio cabrito. Fazia parte do meu imaginário como um duende. A criançada morria de medo da figura que habitava o bosque. Perverso com a natureza, maltratando micos, espantando pássaros. Nos fins de semana o horto botânico lotava, adultos fazendo cooper, gurizada de bicicleta nova, vendedor de pipoca, mendigo cagando no mato e Cara de bezerro puto com todo mundo no parque que julgava seu. Odiava gente, sua feiúra ficava mais evidente na presença dos humanos. Chocado testemunhei um dia ele afogar um filhote de gato, afogava e ria, gelei imaginando cara de bezerro torcendo meu pescoço enquanto arreganhava aqueles caquinhos amarelos que ele achava ser dentes. Troquei o horto pelo shopping, adolescente parei de ter medo de monstro. Longe daquele universo nunca mais tinha ouvido falar do sujeito, quando em uma calorenta tarde de sábado me deparei com o saci albino tomando cerveja em um boteco da alameda. Parecia ter medo de todo mundo, tão frágil, tão humano. Realmente possuía uma evidente síndrome que lhe causava alguma demência e lhe dava aquele aspecto tão horrendo. Eu de barba na cara e não me achando certo da idéia a ponto de julgar alguém, entendi que a fantasia de criança é feita de heróis e demônios e quando adulto se percebe que a linha que separa o mocinho do bandido é tênue.

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