quinta-feira, 15 de abril de 2010

O craque.


Ronaldinho era uma unanimidade no Barcelona com suas arrancadas sensacionais, falando em bola, ninguém tinha outro assunto. Na roda de passarinheiros Cebolão debochava do talento do fenômeno.
-craque fui eu!
Já tinha falado isso de Romário, Guarrincha e Pelé, obvio que ninguém dava ouvidos para um freqüentador assíduo do manicômio da cidade, muitas vezes por cultivar o péssimo vicio de pular muro da casa de vizinhos, fazer necessidades no quintal e limpar com a roupa do varal.
Cebolão tinha cinquenta e cinco anos de maluquice, insistia que podia ter sido ídolo no esporte, mas não passava de um biruta libertino que desafiava o pudor das famílias andando na rua trajando uma samba canção frouxa. Vez por outra era caçado pela multidão ensandecida, munida de paus e pedras por motivo de alguma obscenidade. Um construtor de burradas como diria o pai português pouco antes de abandonar o filho único, ainda adolescente a sorte de dona Esmeraldina, o ser da natureza capaz de suportar um rebento com nível elevado de problemas. As internações constantes e medicação controlada faziam parte da rotina, vivia para os passarinhos e mentiras absurdas que criava, a molecada se divertia com os palavrões descarados, os senhores de idade suportavam pelo amor do doido pelos curiós. De engaiolados ele entendia, conhecia todos os macetes na hora da troca, de vender, madrugava na porta dos aposentados para as transações.
Certo dia por motivos de saúde, dona Esmeraldina teve que contar com os serviços duvidosos do filho para ir ao banco em busca da sua aposentadoria. O obrigou a colocar a dentadura que incomodava, camisa social e pegar leve no palavreado para ficar bem apresentável.
Virou Seu Sergio, suas lorotas seduziram a simpatia de Dulcinha, tímida solteirona que conheceu na fila do estabelecimento. Em uma semana estava apaixonada pelo Antonio Fagundes da alameda. Passeavam de braços dados, comiam pipoca no shopping, Cebolão irreconhecível soltou seus passarinhos, se adaptou aos banhos diários e dizia coisas bonitas ao pé do ouvido. Falava-se em casamento, todo mundo assistia perplexo o desfecho do romance.
No fim de semana do noivado, Sergio resolveu deixar de lado os remédios, sentia que estava estabilizado emocionalmente para tanto. Na noite de sábado foi estranho seu tom de voz elevado depois do cálice de vinho, estava nervoso, trincando os dentes. No dia seguinte a ausência de juízo o fez praticar o antigo vicio e largou um barro no quintal arborizado da casa da amada. Depois do almoço de domingo, toda a família da noiva presenciou em estado de choque o lesado usar o vestido novo de Dulcinha como papel higiênico. Fim dos planos de casório, fim da liberdade. Passando nova temporada no hospício, aposentou a dentadura no copo dagua, e se tornou novamente Cebolão, o Rei do futebol.

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