quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Era uma vez...


Em um reino não muito longe, nasceu uma princesa chamada Lívia. Uma bela favelada de cândidos olhos esverdeados, cabelo sarara quase loiro e sorriso de marfim. Era a beleza em um universo onde a miséria deixava as pessoas feias. Um mundo onde histórias da carochinha não têm a menor graça. Como beleza abre portas, os pais amadureceram o sonho de projetar a princesa longe da fome, assim batalhavam dia e noite cada centavo para oferecer oportunidade para sua fadinha.
Aos quinze anos e um belo corpo de mulata contrastando com as feições finas de uma sueca, Lívia representava uma beleza fora dos padrões. Sua festa de debutante foi patrocinada por uma vaquinha que correu todo o morro, nenhum súdito quis ficar de fora do espetáculo. O vestido branco apertado pouco foi notado pelos olhares embevecidos na hora da valsa que carinhosamente dançou com cada adolescente do morro.
Meses depois o escândalo da gravidez. O conto de fadas deu lugar a sina da maioria das meninas de comunidade. Quem fez o mal não veio a galope em cavalo branco e sim de ônibus, um cobrador de ônibus astuto que cantou pneu depois que toda favela exigiu casamento. Lívia concluiu que mentira pode trazer fertilidade, mas nunca felicidade. Seu primeiro parto levou embora um pouco da beleza, os sonhos foram ficando menores e o final feliz já poderia ser um homem trabalhador disposto a sustentar família grande. Virou mãe solteira de uma escadinha, um de cada pai, tentativas frustradas de segurar homem. Seu palácio de um cômodo virou lama quando o temporal derrubou a encosta. Foi obrigada a trocar o morro pelo viaduto e resolveu ganhar a vida vendendo refrigerante e lamentando a sorte no sinal. Mais pobreza, menos beleza, sofreu o pão que o diabo amassou quando finalmente o destino lhe sorriu na forma de um príncipe. Um gringo gordo de idade avançado, solitário até perceber no restinho de beleza da ambulante a ideia de uma família. Decidiu levar toda tropa para o seu reino distante, a fria Europa, onde uma sisuda corte se rendeu a mistura de cores e ginga brasileira. E assim foram felizes para sempre.

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