quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Grande família


Presenciei quando garoto o surgimento da família mais completa que poderia existir, a família monstro. O apelido não tinha a ver com a família Adams da televisão, e sim com a diversidade dos integrantes. O patriarca, cachaceiro inveterado vivia beijando calçada. A esposa uma crente fervorosa a serviço do senhor. A única filha era uma Raimunda que apesar de feia de cara fazia a alegria da rapaziada que recebia em fila quando estava sozinha. O caçula coroinha da igreja vivia dos seus biscates ajudando as carolas. Tinha ainda um cdf afundado nos livros, um ladrão de varal responsável pelos pequenos furtos da região, e o mais curioso de todos, o irmão mais velho. O primogênito sustentou por um tempo o mistério de sair a noite e aparecer no dia seguinte. Valério não tinha menor pinta de vampiro com seu jeito afeminado, logo descobriram que fazia ponto no centro da cidade travestido. Até gente esquisita tem limite, rolou pancadaria. Uma casa com tantos conflitos rolava porrada todo dia, mas essa briga em especial resultou em pé na bunda do filho gay.
Os anos passaram e a casa continuava sendo atração de escândalos. O coroinha largou a igreja depois que descobriu sabor no vinho do padre, seguindo assim os passos do pai. O ladrão participou de um roubo grande e acabou em cana. A desinibida pegou barriga e terminou em filho. O sonho da mãe de ter um filho doutor se perdeu quando o estudioso Maurício trocou a faculdade de medicina pelo balcão da padaria para ajudar nas despesas.
De bíblia em punho e carapinha branca a matriarca não tinha forças para pedir saúde para o velho agonizando sua cirrose no hospital publico.
O milagre veio de táxi, certa tarde uma vistosa morena de cabelos cacheados entrou porta adentro. Maquiada de forma tão impecável que dona Eulália não foi capaz de reconhecer Valério expulso há quinze anos atrás. Ele não estava ali para expor suas mágoas, vinha de longe, tinha encantado a Europa com seu jeito diferente de ser mulher, colecionou amantes e euros. O sangue falou alto e veio ajudar seu povo. O pinguço teve um enterro digno sobre lagrimas. O encarcerado conseguiu liberdade pelas mãos de um bom advogado. A ovelha negra surgiu em forma de esperança, um arrimo perfeito no meio de tanta diferença. Se seu dinheiro não foi suficiente para trazer saúde, trouxe algo improvável pro seio da família monstro novamente, união.

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