quarta-feira, 30 de junho de 2010

Barra pesada.




Quando guri achava que era caçador. Acordava cedo, gritava meu fiel escudeiro Jaci (um mulatinho metido a entender de passarinho), e munidos de espingarda de chumbo desbravávamos a pedreira em busca de passarinho. Minha mira era péssima, Jaci era arisco na pontaria, voltava pra casa cheio de rolinha no saco. Uma dúzia de ovos depois estava pronta a farofa.
Cresci, me mudei e virei amante da natureza. Nunca mais tinha ouvido falar do antigo parceiro, lembrava apenas do jeito alegre, seu riso nervoso, tirando fino dos ônibus na bicicleta roubada.
Dez anos depois o antigo bairro tava barra pesada. Os jornais culpavam um sangue frio no comando da milícia na região. Cai pra traz quando reconheci na primeira página meu amigo de caça da infância. Jaci continuou o predador de sempre, só que agora caçava gente. Vaidoso se dizia líder comunitário de um povo miserável e oprimido, mas na sua truculência era apenas um ditador frio. Em uma das raras visitas que fiz ao bairro depois da descoberta, o acaso caprichoso trouxe o susto de fazer bater de frente. Ganhei um sorriso, recebi um abraço apertado no qual pude sentir o volume da pistola na cintura. Relembramos sem jeito nossa infância, agonia estranha de estar perto do perigo. Quase senti pena da fera. Nas atrocidades movidas pelo ego assassino, o monstro tinha perdido o direito de ser gente, namorava a morte a cada minuto, com o mesmo riso nervoso. Tive vontade de dizer que não precisa ser assim, que sempre tem uma saída, recuei, ele já estava mais íntimo da violência do que meu. Percebi que por mais distante que este mundo pareça estar de nós, encontramos nele tão somente o que encontramos no nosso dia a dia.

Um comentário:

  1. Como sempre um otimo post... apesar de estar tendendo mais para a filosofia da vida... continua otimo!! Boa Piruca!

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